1. Aspectos históricos
Desde os tempos remotos que o homem convive em sociedade, já haviam comportamentos que geravam conflitos entre eles. Sempre houve atos anti- sociais. Aos poucos, em razão do surgimento de tais conflitos, foi-se necessário, tentar fixar um comportamento padrão, onde os interesses – ainda que divergisse – conseguissem conviver em sociedade. Quer dizer, surgiu em algum momento da história do direito a carência de regular determinados comportamentos, que poderiam ameaçar os interesses coletivos, que são mais importantes que os interesses individuais. Surge então, as normas, que são regras para comportamentos que devem ser acatadas pelos grupos sociais, a fim de conviver pacificamente em sociedade, sempre com a finalidade de regular os comportamentos.
Obviamente que, mesmo havendo regras de comportamentos que deveriam ser seguidas, existiam aqueles que as descumpria. Daí a necessidade da sanção em caso de descumprimento de tais normas. Em verdade, eram normas confusas, não tão bem delineadas como se percebe hodiernamente. Geraldo Prado, em sua obra, faz menção a essa época da história do Direito,
“…nessa época o direito era constituído de um emaranhado de regras não escritas e desconexas, oriunda da moral, dos costumes, hábitos, crenças e magias, expressando-se a reação punitiva diferentemente conforme derivasse o comportamento agressivo de um integrante do grupo ou de alguém pertencente a outro grupo ou tribo.”
Visava sobretudo com tais sanções, estabelecer o estado anterior ao cometimento do comportamento agressivo – ainda não falar em crime -, ou seja, buscava alcançar com a sanção o status quo ante. Permissível também a época, o direito da vítima ou de sua família, fazer a vingança contra o autor do mal cometido. Ficava a encargo de a vítima promover a “justiça”, que era retribuir ao ofensor, mal que tinha sofrido. Com suas próprias mãos, a vítima ou seus familiares, estava legitimado para retribuir o mal causado. Evidente que, ao revés de solucionar, ou ao menos minimizar, tais atitudes criminosas, gerou mais agressões. Eis o momento da vingança privada.
Diante deste quadro social de desarmonia entre os grupos ou tribos, paulatinamente, agregou-se a consciência de que, este sistema era írrito. Daí, surgiu a idéia de uma nova sistemática, como melhor demonstra em exposição o jurista Geraldo Prado, “…foram as principais causas da sistematização contínua dos métodos de implementação do Direito Penal…(pág. 83, 2001). Surge obviamente a necessidade inadiável de se encontrar, métodos para sistematizar a estrutura das regras existentes a época, de modo a solucionar mais pacificamente os conflitos existentes.
Todo este panorama social, evoluiu somente com a organização dos Estados, como nação soberana, absoluta. Mesmo assim, longe de ser um sistema judiciário bem delineado como os atuais. O absolutismo, em razão da autoridade exacerbada que exercia sobre seus súditos, cometeu incontáveis arbitrariedades e crimes. Cita Geraldo Prado, que no Egito, na antiguidade, foi onde se percebeu primeiramente a presença do Poder Judiciário, que era exercido pelos sacerdotes.
Todo poder emana de Deus. Este era o sentimento que imperava a esta época. Foi nesta época que existiram as ordálias, que eram meios utilizados para provar fato típico.
Podem-se mencionar inúmeros fatos históricos como causa evolutiva da aplicação das penas, sobretudo, uma das mais importantes, se deu na Revolução Francesa, através do pensamento iluminista de abolição. Passa- se a ter consciência, a época, que mais democrático será um governo não absolutista autoritário,e que o povo deveria governar a nação. Inegavelmente também se posiciona no mesmo sentido, Geraldo Prado, e atesta ser a Revolução Francesa de 1789, como “marco político inquestionável”. Surge os pensamentos iluminista, que viabilizou a ascensão dos ideais abolicionistas, e separatistas do velho e tradicional sistema inquisitivo.
Com a organização política dos Estados, surgiu evidentemente uma nova ordem jurídica, haja vista, um Estado politicamente organizado se faz com um ordenamento jurídico organizado, por intermédio sobretudo, da promulgação de uma Constituição Federal. Bem como demonstra Afrânio Jardim na sua obra, “Se o Estado não é um fim em si mesmo, mas um meio, parece- me inevitável a conclusão de que serve ele de instrumento para objetivos colimados pelo homem”. Quer dizer o ilustre jurista acima, que a sistematização do Estado, tem como objetivo maior, o benefício do homem que vive em sociedade, já que não podemos nos inferir aos ermitãos.
Em verdade, podemos afirmar sem embargo, que o Estado politicamente organizado, inexiste sem o direito, já que a sua certidão de nascimento, de ente soberano e independente, se dá com a Constituição Federal.
O modelo acusatório que vige hodiernamente, como já pontuado, se apresenta com a divisão das tarefas de acusar e julgar, separando em três figuras diferentes uma da outra, as funções de acusar, julgar e defender. O direito de defesa, assegurado com maior clareza com o surgimento do sistema acusatório. Inegável que no sistema inquisitivo, havia a defesa, todavia não se constituía em defesa efetiva. Observe-se o que diz, Geraldo Prado, no que concerne ao direito de defesa no processo penal,
A marca característica da Defesa no processo penal está exatamente em particular do procedimento, perseguindo a tutela de um interesse que necessita ser o oposto daquele a princípio consignado à acusação, sob pena de o processo converter-se em instrumento de manipulação política de pessoas e situações.
Com razão, o Direito de defesa no plano acusatório, deve ser observado sobretudo, sob uma ótica de garantia fundamental ao acusado no processo penal, perseguindo assim, aos princípios basilares de um Estado Democrático de Direito. Percebe-se que a evolução histórica do direito, em as transformações através de um processo longo e demorado de conquistas, onde ocorreu um dinâmico processo de aperfeiçoamento da estrutura dos ordenamentos jurídicos no mundo em geral.
2. Direito subjetivo
Antes de adentrarmos, cumpre esclarecer o que é Direito subjetivo. Direito subjetivo é o direito em síntese das pessoas; são prerrogativas que são conferidas às pessoas. Nas palavras de Técio Sampaio Ferraz Junior, Direito subjetivo é, …fenômeno subjetivo, visto que faz, dos sujeitos, titulares de poderes, obrigações, faculdades, estabelecendo entre eles relações .
O Direito de Defesa possui natureza de direito subjetivo, tendo em vista se equipara ao direito de ação, senão vejamos o que lecionou Vicenzo la Medica, o que é para ele o Direito de Defesa, …direito subjetivo de caráter público que compõe ao cidadão e se harmoniza com as funções de polícia do Estado, o qual, por isso, não se opões à ação desenvolvida pelo indivíduo.
O art. 5º., XXXV da Constituição Federal pátria, assegura o direito de todos a recorrer ao judiciário para reclamar direito. Diante deste dispositivo, podemos dizer, que, como o direito de ação tem cunho constitucional, terá também a mesma natureza o direito de defesa. Ainda sobre o direito d e ação perpetrado na Carta Magna, em citação feita por Alexandre de Moraes, ao mencionar expressão de Nelson Nery Júnior, nos termos “podemos verificar que o direito de ação é um direito cívico e abstrato, vale dizer, é um direito subjetivo à sentença tout court, seja essa de acolhimento ou de rejeição da pretensão, desde que preenchidas as condições da ação”.Observe-se que o jurista acima mencionado entende que o direito de ação, é um direito subjetivo, e portanto de todos.
O âmago da Carta Magna pátria, é a parte que fala dos Direitos e garantias fundamentais, que está especificamente no art. 5º. do mesmo texto.
O jurista italiano, Luigi Ferrajoli, presta imensurável contribuição às letras jurídicas, em sua obra quando diz,
A paridade das partes, à qual retornarei a propósito de garantia procedimental do contraditório, requer por sua vez duas específicas condições orgânicas, relativas à sua configuração e colocação institucional. A primeira condição concernente à acusação. […] Se é indispensável que o juiz não tenha funções acusatórias, é igualmente essencial que a acusação pública não tenha funções judiciais. […] A segunda condição concernente à defesa, que deve ser dotada da mesma dignidade e dos mesmos poderes de investigação do Ministério Público. Uma igual equiparação só é possível se ao lado do defensor de confiança é instituído um defensor público, isto é, um magistrado destinado a funcionar como Ministério Público de Defesa.
O direito de ação, se equipara ao direito de defesa, estando ambos na mesma linha hierárquica, não podendo um sobrepor ao outro.
Ferrajoli ainda entende que, o juiz desenvolve papel fundamental para o equilíbrio das partes, devendo perseguir assim todas as condições necessárias para a configuração do contraditório, alcançando a paridade das partes, além de garantir o direito de defesa.
Tanto no Processo Penal em juízo, como em fase procedimental com é no interrogatório (não processo judicial), por exemplo, faculta- lhe ao réu o direito de ficar calado, pois não é obrigado responder perguntas que possam constituir provas contra si mesmo. É de fato o silêncio do interrogado um direito, mas sobretudo o juiz deverá deixar claro que o silêncio não pode prejudicar a sua defesa.
Dada a sua natureza pública, o direito de defesa técnica se torna indisponível, pois se torna inadmissível renunciar, haja vista a defesa técnica é imprescindível para o processo, salvo havendo autodefesa. Quer dizer, não está disponível às partes, facultar em se defender por profissional habilitado ou não, devendo sempre haver a dita defesa técnica, que é realizada por profissional habilitado para tanto.
O Direito de ação, como um direito subjetivo, tem como conteúdo a pretensão punitiva no processo penal, e opostamente o direito de defesa reporta a contrariedade à acusação. Para Fernando de Almeida Pedroso, o direito de defesa tem a mesma qualificação do direito de ação, contudo, é um direito negativo. Ou seja, o Direito de ação, para o jurista acima mencionado, é um direito positivo, e Direito de defesa é um direito negativo, pelo fato de se equiparar àquele, ocupando ambos a mesma hierarquia no litígio.
Observe-se a idéia defendida por Alberto Binder, quando diz “O acusado deve ser assistido por um advogado que, com seu conhecimento das leis e do processo, aumente suas possibilidades de defesa” (BINDER, 2003 pág. 118). Este ilustre jurista, afirma que, para se alcançar uma defesa efetiva, faz-se necessário que haja advogado na causa, em benefício da parte.
Como já dito acima, o direito de ação é qualificado com a mesma classificação ao direito de defesa, diferindo um do outro somente no aspecto da finalidade. Vejamos a explanação do jurista Fernando Costa Tourinho Filho, sobre direito de ação,
Se é o Estado que distribui a justiça e, para tanto, institui órgãos adequados, é claro que aqueles que delas necessitam têm o direito subjetivo de levar-lhe a aplicação da norma agendi.
O fundamento do direito de ação repousa, pois, na proibição da autodefesa, e seu fundamento jurídico está no próprio capítulo dos direitos e garantias individuais.(TOURINHO, 2002, PÁG. 102)
O direito de defesa, deve ser acessível a todos, bastando para exercer tal direito, ser sujeito de direito. Basta ser sujeito de direito, que terá o direito de ser defendido, no processo penal, e terá o direito de ser ouvido pela autoridade judiciária, quando poderá utilizar todos os mecanismos para possibilitar uma defesa ampla. Vejamos o que disse Vicenzo la Medica, sobre o Direito de Defesa, O direito subjetivo, que a pessoa tem, de se defender do ataque à sua honra, isto é, de se proteger contra injúria e a difamação, deriva do reconhecimento legislativo do bem jurídico da inviolabilidade da personalidade moral.
3. Contraditório
Antes da efetividade da defesa, realiza-se no processo penal, o contraditório.Contraditório quer dizer contraposição. Toda instrução processual requer a oitiva da outra parte, para querendo contestar os fatos que lhe são imputados, fazer no prazo legal. Em verdade contraditório quer dizer, oportunidade de oitiva da outra parte sobre os fatos alegados por quem lhe imputou algo. Tanto pode haver contraditório para contra arrazoar, como para contestar.
Para Ferrajoli, o interrogatório é meio de defesa primordial, como leciona o mesmo com suas próprias palavras, …o interrogatório é o principal meio de defesa, tendo a única função de dar vida materialmente ao contraditório e de permitir ao imputado contestar a acusação ou apresentar argumentos para se justificar. O mesmo autor faze menção ao jurista Filangieri, …ao imputado”deveria ser permitido fazer assistir-se por um ou mais advogados em todos os passos do processo.
A contradita, por intermédio do contraditório é essencial para persecução da instrução criminal, contribuindo deste modo ao livre convencimento do juiz.
É no contraditório que se realiza a dialética, onde através da prova/contraprova, dita/contradita, acusação/defesa, afirmação/negação, se opera o sistema acusatório, em que firma suas bases do Estado de Direito. Através deste processo bilateral, que o magistrado consegue visualizar alguns elementos probatórios, que sem a dialética do contraditório, jamais teria alcançado. Para Alexandre de Moraes, …o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condição dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação, caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou dar-lhe a versão que melhor lhe apresente…
Como meio hábil para formar o livre convencimento do juiz, o autor acima, através desta citação, enxerga a realização da defesa como instrumento importante para a efetivação do contraditório. Ainda Luigi Ferrajoli,
…de modo que o imputado seja posto e condição de refutá-lo e “nada lhe seja ocultado do que se prepara para seu prejuízo e do que se faz e ser fará para robustecer o preconceito da sua culpabilidade e demolir a presunção de inocência que sempre assiste.
Quer dizer o jurista acima, que se devem observar todas as condições necessárias para se realizar a defesa, permitindo ao acusado a possibilidade de exercer uma defesa realmente efetiva. Por ser norma constitucional o seu desrespeito enseja na nulidade absoluta. Esta nulidade será melhor discutida no seguinte ponto.
4. CONCLUSÃO
Não se pode todavia renegar os direitos e garantias fundamentais, açambarcado na carta magna, haja vista, são tidos sob a égide de valores supremos. O núcleo constitucional, onde conte as normas de mais elevado valor jurídico, estabelece que todos tem direito de se defender, ou ser defendido, em processo judicial, ou administrativo, com todos os instrumentos necessários para a realização e efetivação desta defe
Portanto, não é admissível, sob a ótica do Estado Democrático de Direito no qual, nos brasileiros, estamos submetidos, haver cerceamento de defesa. O direito de defesa, como já apontado, trata-se de direito público subjetivo, impostergável, para que seja alcançada a tão perseguida democracia.
No momento em que o cidadão busca, os serviços da Defensoria Pública, em sede de processo criminal, não pode sob hipótese alguma, ser privado do exercício de uma ampla defesa. A prestação do serviço deste órgão, está muito aquém do que se almeja efetivamente.
Em razão do sujeito de direito, que é todo cidadão, não possuir proventos para patrocinar um patrono particular, e se utiliza da Defensoria Pública, não pode receber um serviço mal prestado pelo Estado.
Quer-se apontar, oportunamente, que todo Estado brasileiro, deve sofrer considerável mudança, no que concerne, ao direitos fundamentais dos cidadãos, quando se encontram envolvidos em litígio. Há de fato uma afronta a Constituição Federal, o forma pela qual se desenvolve os serviços da Defensoria Pública, em sede de Processo Penal, e portanto aguarda-se que haja uma nova onda transformadora no seio da estrutura do Estado em geral, e sobretudo, no âmbito da Judiciário brasileiro.